quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Uma cicatriz permanecerá para sempre

Ele não andava e não falava, mas sorria. Essa é a última imagem que tenho do meu pai.
Foi há tanto tempo, mas como uma fotografia, isso ficou gravado na minha memória.

O silêncio do hospital era assustador. Subi as escadas até o andar que levava ao quarto em que ele estava internado. Meu coração pulsava fortemente. Tinha medo do que iria ver. A insistência da minha avó para que eu não fosse até lá não me convenceu a desistir. Enquanto caminhava lentamente pelo corredor, senti uma vontade louca de sair correndo para a proteção das paredes do meu quarto. Tinha e queria ir até o final.

Demorei alguns minutos parada em frente ao número 405. Lágrimas já corriam pelo meu rosto. Precisava ser forte. Empurrei a porta com cuidado e instantaneamente pude vê-lo. Frágil, como se estivesse dormindo. Contudo, seus olhos estavam abertos. Naquela posição ele não pôde perceber que era eu. Me aproximei com certo receio, não sabendo exatamente como agir. Senti meu corpo tremer. Bem perto da cama, ele pôde me ver. Os olhos dele brilharam tão intensamente, que chorei compulsivamente por alguns minutos. Ele, não podendo emitir sons, deixou que apenas lágrimas insistentes corressem pela sua face. Vi na expressão de seu rosto que a vontade que tinha era de me abraçar e dizer que tudo iria ficar bem. Me joguei em cima dele, passando meus braços pelo seu pescoço. Já um pouco mais calma, levantei e comecei a falar.

Conversei com ele em meio ao choro contido. Ele sorria com sofrimento. Apesar da pouca força que tinha, apertou minha mão durante todo o tempo em que estive ali. Sua boca estava seca. Achei que ele precisaria de água. Com um algodão molhado tentei de algum modo saciar a sede dele. Ele me olhou agradecido.

Já era hora de ir embora. Me despedi com tristeza e com a certeza de que seria a última vez que veria o meu pai. Poucos dias depois, na escola, recebi a notícia da morte dele. Meu pai se for levando com ele um pedaço de mim. Uma ferida enorme se abriu na minha alma. Já sarou, mas certamente uma enorme cicatriz permanecerá para sempre.

2 comentários:

Marina Melz disse...

ele, o teu pai, demonstrou o maior amor que se pode haver nessa vida sem uma palavra e sem um abraço. ele, o teu pai, já deixou de ser ferida, se tornou cicatriz e hoje é uma lembrança bonita que te faz ir em frente. ela, a menina que chorou no hospital, cresceu e virou mulher. aquela que eu admiro mais cada dia que passa.

sabes que eu te amo e mesmo que nunca vá conseguir chegar perto do amor e da dedicação dele, meus braços e meu coração estão sempre abertos pra você.

Marta De Divitiis disse...

Lindo texto, uma lembrança guardada pela eternidade, impressa pelos sentimentos...
Beijos querida, saudade!