quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Morrendo de amor

A velhice é uma maneira de contar o tempo que vivemos simplesmente ou representa algo que implica naquilo que somos de verdade? É esta a reflexão que o escritor e jornalista colombiano, Gabriel Garcia Márquez, traz no livro Memórias de minhas putas tristes.

O texto rico em metáforas foi inspirado na obra “A casa das belas adormecidas” de Yasunari Kawabata. É um romance muito bem escrito que apresenta uma narrativa descritiva que explora o cenário e faz com que o leitor se sinta como se estivesse dentro do contexto.

Conta a história de um jornalista ancião que na véspera de seu aniversário de noventa anos sente um súbito desejo de viver uma noite de amor com uma virgem. Uma jovem que exale a pureza de nunca ter sido tocada. Ao narrar essa história, Márquez mostra como o coração do velho é invadido pelo amor. Sentimento que até então somente tinha ouvido falar, sem conhecer realmente o significado. Uma menina de 14 anos desperta uma chama oculta na vida do personagem, que passa a transbordar esse sentimento. Sem nunca ao menos conversar com a garota, ele tem a certeza do amor incondicional que sente por ela.

A história toca delicadamente em assuntos como pedofilia e prostituição. Mas de uma leveza tão ímpar que o leitor não dá importância para os polêmicos temas. O fim da vida, o amor verdadeiro e a busca pela felicidade são abordados de maneira encantadora. O livro mostra que é possível amar e viver esse amor intensamente na terceira idade. Que a velhice não é sinônimo do fim da vida amorosa e sexual. Que é permitido sim, morrer de amor.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Uma cicatriz permanecerá para sempre

Ele não andava e não falava, mas sorria. Essa é a última imagem que tenho do meu pai.
Foi há tanto tempo, mas como uma fotografia, isso ficou gravado na minha memória.

O silêncio do hospital era assustador. Subi as escadas até o andar que levava ao quarto em que ele estava internado. Meu coração pulsava fortemente. Tinha medo do que iria ver. A insistência da minha avó para que eu não fosse até lá não me convenceu a desistir. Enquanto caminhava lentamente pelo corredor, senti uma vontade louca de sair correndo para a proteção das paredes do meu quarto. Tinha e queria ir até o final.

Demorei alguns minutos parada em frente ao número 405. Lágrimas já corriam pelo meu rosto. Precisava ser forte. Empurrei a porta com cuidado e instantaneamente pude vê-lo. Frágil, como se estivesse dormindo. Contudo, seus olhos estavam abertos. Naquela posição ele não pôde perceber que era eu. Me aproximei com certo receio, não sabendo exatamente como agir. Senti meu corpo tremer. Bem perto da cama, ele pôde me ver. Os olhos dele brilharam tão intensamente, que chorei compulsivamente por alguns minutos. Ele, não podendo emitir sons, deixou que apenas lágrimas insistentes corressem pela sua face. Vi na expressão de seu rosto que a vontade que tinha era de me abraçar e dizer que tudo iria ficar bem. Me joguei em cima dele, passando meus braços pelo seu pescoço. Já um pouco mais calma, levantei e comecei a falar.

Conversei com ele em meio ao choro contido. Ele sorria com sofrimento. Apesar da pouca força que tinha, apertou minha mão durante todo o tempo em que estive ali. Sua boca estava seca. Achei que ele precisaria de água. Com um algodão molhado tentei de algum modo saciar a sede dele. Ele me olhou agradecido.

Já era hora de ir embora. Me despedi com tristeza e com a certeza de que seria a última vez que veria o meu pai. Poucos dias depois, na escola, recebi a notícia da morte dele. Meu pai se for levando com ele um pedaço de mim. Uma ferida enorme se abriu na minha alma. Já sarou, mas certamente uma enorme cicatriz permanecerá para sempre.